sexta-feira, 31 de julho de 2009

Folhas Secas.

Quando você ouvir o farfalhar das asas de uma borboleta, talvez se lembre das coisas que eu diria, se tivesse voz. E se perguntará o que foi que fiz de todos aqueles brancos e espaços não-preeenchidos, e respondo agora de antemão: estendi-os no varal, esperando que o vento venha. Ofereço-os todos, se puder ouvi-los - venha e pegue-os, são todos seus, do começo ao fim - cada um deles.

- Danielle Bernardi

terça-feira, 21 de julho de 2009

Orvalho.

Essa incerteza que me rasga o peito, e que se expõe, como meu bem mais precioso. Não abro mão da dúvida e da palpitação frenética da busca. Construo casas em terrenos de nuvens, com as chaves todas bem guardadas e quase tão óbvias que me assustam. E estou sempre a espera, à deriva, com meu espírito cansado tropeçando em direção a queda, e ao vôo - se possível. E não sei viver diferente, e talvez não queira, e talvez não mude. Me aceite ou vá embora, antes que os olhos se fechem e a palavra desapareça, levando consigo a imagem, o semelhante e a essência. Vislumbre de milagre e pecado, entre um piscar e outro, entre a fé e a loucura, e o desespero quieto que me move, quente e frio contra minha pele. Estou a espera, à deriva. E essa incerteza... Essência, inocência, medo. Um tremular cálido antes do pulo - e da entrega.

- Danielle Bernardi

domingo, 19 de julho de 2009

Eco.

Todas as coisas de valor saíram pela porta, enquanto observávamos as nuvens debruçados na janela aberta. O rádio tocava baixinho, carinho melancólico correndo pela casa. E golpe a golpe, nota a nota, ficávamos mais mudos e mais e mais densos. Incapazes de parar a vida lá fora, nos rendíamos a brisa, ouvindo os dias que estavam por vir, logo ali, na esquina... Tão distantes. E a madrugada era um campo aberto, estendendo-se através dos prédios por becos sem fim, e no meio de tudo aquilo, entre as sombras e os devaneios, esperávamos ouvir o palpitar de outra pessoa. Mas as nuvens cor de chumbo deslizaram nossos sonhos para o horizonte, numa tortura lenta e bruta. E quieta, muito quieta. Queria virar o rosto, encontrar seus olhos, perguntar o que passava pela sua mente bem ali, naquele instante. Mas meus lábios estavam tão rigidamente selados que minha vontade permaneceu presa entre os dentes, com o sabor de algo que não sei identificar. O cheiro de café fresco foi uma onda nova, impregnando-se junto a impaciência e à pele, afastando as cores e os pensamentos, não deixando nada além daquela densidão que nos consumia por dentro e nos matinha tão próximos e tão mortalmente distantes. Estávamos presos, perdidos nas tramas daquela armadilha tão agridoce e tão silenciosa. E embora o rádio continuasse a transmitir, em sua freqüência cadenciada e ininterrupta, observamos os grãos do tempo se desenrolarem uns nos outros, abraçando-se sob nosso olhar atento e nosso pulsar descontrolado. O mundo desaparecendo pelas bordas, enquanto esperávamos, enquanto o silêncio nos engolia em sua mortalha quente e ambígua. E a solidão nos espreitava, pelas frestas de nossos medos, de nossas faltas... Queria alcançar sua mão e sentir seus dedos contra os meus, e ter a certeza deslumbrada de que tudo era possível e não mera invenção. Queria aquele medo todo para mim. Mas... A madrugada escoou, e golpe a golpe, nota a nota, a realidade voltou. Tão antiga quanto essa distância e todas aquelas nuvens cor de chumbo.

- Danielle Bernardi