domingo, 19 de julho de 2009

Eco.

Todas as coisas de valor saíram pela porta, enquanto observávamos as nuvens debruçados na janela aberta. O rádio tocava baixinho, carinho melancólico correndo pela casa. E golpe a golpe, nota a nota, ficávamos mais mudos e mais e mais densos. Incapazes de parar a vida lá fora, nos rendíamos a brisa, ouvindo os dias que estavam por vir, logo ali, na esquina... Tão distantes. E a madrugada era um campo aberto, estendendo-se através dos prédios por becos sem fim, e no meio de tudo aquilo, entre as sombras e os devaneios, esperávamos ouvir o palpitar de outra pessoa. Mas as nuvens cor de chumbo deslizaram nossos sonhos para o horizonte, numa tortura lenta e bruta. E quieta, muito quieta. Queria virar o rosto, encontrar seus olhos, perguntar o que passava pela sua mente bem ali, naquele instante. Mas meus lábios estavam tão rigidamente selados que minha vontade permaneceu presa entre os dentes, com o sabor de algo que não sei identificar. O cheiro de café fresco foi uma onda nova, impregnando-se junto a impaciência e à pele, afastando as cores e os pensamentos, não deixando nada além daquela densidão que nos consumia por dentro e nos matinha tão próximos e tão mortalmente distantes. Estávamos presos, perdidos nas tramas daquela armadilha tão agridoce e tão silenciosa. E embora o rádio continuasse a transmitir, em sua freqüência cadenciada e ininterrupta, observamos os grãos do tempo se desenrolarem uns nos outros, abraçando-se sob nosso olhar atento e nosso pulsar descontrolado. O mundo desaparecendo pelas bordas, enquanto esperávamos, enquanto o silêncio nos engolia em sua mortalha quente e ambígua. E a solidão nos espreitava, pelas frestas de nossos medos, de nossas faltas... Queria alcançar sua mão e sentir seus dedos contra os meus, e ter a certeza deslumbrada de que tudo era possível e não mera invenção. Queria aquele medo todo para mim. Mas... A madrugada escoou, e golpe a golpe, nota a nota, a realidade voltou. Tão antiga quanto essa distância e todas aquelas nuvens cor de chumbo.

- Danielle Bernardi

Um comentário:

Francisco Mallmann disse...

Dani,
Estou pasmo! Texto magnifico, palavras sensíveis...
Maravilhoso!
Beeijos.