domingo, 27 de dezembro de 2009

Efêmero.

Ouço sempre o mesmo dedilhar em prosa - intrincado, suave e contínuo. E trago a alma em queda, desfeita na água. O corpo que me resta é essa carcaça cansada, e esse riso frouxo: vestígios do animal, traços do bicho que quer ser fera, da criatura que adormece: e pensa que sonha.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Chiaroescuro.

Estou ficando sem palavras para oferecer. Tudo o que tenho são ecos: o vai e volta de pensamentos ocos e um querer sem fim. E em todas as minhas entrelinhas você vai encontrar essa mesma urgência em buscar por uma outra linguagem que me satisfaça: essa composição de silêncio-ponto-e-vírgula-silêncio-silêncio-dois-pontos-silêncio-ponto-ponto-ponto. No meio tempo estarei entregue à esse tremular à distância - jogo de sombras, meu chiaroescuro particular.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Dissabor.

Mantenho os pés descalços: para sentir, para entrar em contato. E minha pequenez de ser grão estremece ao menor vento que passa: vontade de mundo: dançar cores, embrenhar dissabores, abraçar vazios. Auto-retrato efervecente das coisas que não são vistas e sobre as quais ninguém fala: azar o meu, que prefiro manobrar sílabas sem licença e buscar perguntas ao invés de respostas.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Barquinho de Papel.

Toco minha lira o mais alto que posso, usando o avesso do som como fonte de matéria-prima. Minha voz tem esse quê estridente, desafogado - pedindo por água - nômade que tem sede. E minha embarcação se resume aos limites e demarcações do contorno do corpo, flutuando no que há de sideral no espaço. Repita minhas palavras bem baixinho, sem respirar, como uma prece fervorosa que diz: -
- Danielle Bernardi

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Terra-de-ninguém.

Preciso dissecar as palavras entre a areia de minha'lma deserta, e encontrar a glória de um carvalho partido que me mantém em pé. Para te dizer todas as coisas: todas as milhares de vezes que tentei combinações de todas as letras e silêncios possíveis. Para te falar do árido que trago debaixo da pele e da minha insistência em ir atrás dos extremos: e dessa loucura de sair atrás do exílio e de querer ser criatura-bicho-mulher. Preciso derramar sobre a mesa o suor das tentativas e dos fracassos, saborear a dor prazerosa de não ter sido o bastante: prostar-me diante da minha incapacidade em ir além. Quero terra-de-ninguém: percorrer minhas veias secas e primitivas em busca de tigre e de lótus. Para te contar sobre a urgência esmagadora que se fez dona do meu peito: e da intensidade que se reinventa a cada hora e cada segundo. Para te contar sobre a câimbra dos membros, que se contorcem calados nos desejo de insensatez: de pé porta à fora: pé na estrada: sem destino. E aquela velha vertigem sedutora: vontade de perder: de estar em movimento, ainda que na contramão. Preciso do riso habitando o oco da minha boca, preenchendo o vazio dos momentos com algo além de silhuetas e ecos de fantasmas: e ocupar os instantes de farsa em que tento achar desculpas por ser essa armadilha, esse oscilar entre vício e necessidade. E te dizer, que estou marcada e sem conserto. E que sinto muito, mais do que posso dizer. Mais do que posso pensar. Mais do que posso aguentar. Mais do que todas aquelas promessas que ficarão atreladas ao jamais em algum canto empoeirado de nós. Preciso esclarecer minha natureza vacilante: minha vocação em consumir. E repetir meus erros em voz alta, para te manter afastado ainda que te queira sempre mais e mais perto. Para te falar da falta de lógica em meu raciocínio, de meu complexo de montanha-russa. Para te falar de todas as faltas, falhas, rasgos e lacunas: e da minha tentativa vã de preenchê-los todos com o que poderia ter sido. Preciso de uma inteligência que não me cabe, um modo sagaz de aceitar meu eu interrompido, uma sabedoria extra-corpórea para lidar com todas as palavras que voltam pela culatra, em minha direção. Para te dizer que: o relógio na parede ri da minha pressa em tentar dissolver minha solidez em uma forma menos compacta e fria: e que minha superfície dura mora do lado avesso: e que minha insônia poderia durar todos os anos que virão na inconstante crueldade que me imponho ao vir aqui para te dizer que. Não consigo me despir de tua ausência e a levo comigo aonde for.
- Danielle Bernardi

sábado, 5 de dezembro de 2009

Lata-Carne-Ferrugem.

Tenho a eloquência da chuva guardada do lado de dentro, o tamborilar das gotas em tetos de zinco que não cedem. E faço uso de meus sapatos vermelhos para percorrer o desbotado do que já foram tijolos amarelos, tentando reter na memória os traços do sonho que me pegou pelos dedos e me trouxe até aqui. Tenho a eloquência da chuva, do desabar solitário, gota à gota, de uma fonte torrencial. E o trovoar em meus ouvidos é composto por caixinhas de músicas que foram perdidas em algum lugar, com sua melancolia desenhada em acordes intrépidos: cavalheiros de nome covarde em busca do idílio. E que me condenem e me acusem o espírito, que me olhem com desagrado ao ouvir o rangido de minhas peças e riam de minha inabilidade crônica, que calem perante meu silêncio e sobreponham suas próprias palavras às minhas: que me desafiem. Me coloco de pé sobre o vento, e os convido à entrar, enquanto estiver de passagem. Tenho sempre o mesmo oco que se alarga e se oferece como forma de abrigo. E tenho a eloquência da chuva, e o tremular dos lábios: que devoram palavras. Precisa-se de um abridor de latas.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Auto(De)Composição.

Isso são só sílabas fugidas do oco do peito atravessando corredores de cordas e nós que não se desfazem são só partículas quebradas no inócuo da boca tropeçando lábios à fora na respiração trêmula diante de um vasto céu e de sua escuridão que não tem fim são só mensagens subliminares em código morse através do vítreo dos olhos que não calam nunca por mais que queiram são só convite para a hipnótica falta de som que compõe o silêncio na ausência de destino que as palavras têm são só idéias interrompidas interligadas sem pontos nem vírgulas ditadas pelos ecos contínuos de faces sem nomes que gravaram seus traços atrás do meu pensamento são só tentativas êfemeras esquálidas e condenáveis de dar vida ao que não tem forma são só símbolos gráficos de interpretação aberta que não têm intenção de ser mais do que são para cada qual e cada um independente de todas as coisas e contratempos que se ponham no meio. Isso são. Isso é. E ser é tudo o que me resta e não me basta porque quero sempre mais e querer mais é meu encanto e minha contradição é meu ponto-e-vírgula numa sentença interminável que levarei por toda a minha vida e enquanto houver qualquer sombra de minha existência breve e pouco pragmática então entregarei minha'lma ao sereno desassossego de que fui feita com a condição de permanecer inquieta e faminta por toda a eternidade.
- Danielle Bernardi

domingo, 22 de novembro de 2009

Sertão de Sadim.

Haverá um dia em que esse meu destino de ser eterno passageiro me levará além do alcance dos seus olhos. Haverá um dia em que minha asas de borboletas rasgadas serão minha única chance de vôo. Haverá um dia em que sairei pela porta e não terás mais notícias minhas.
Enquanto eu viver, haverá um dia para todo o caos que me aguarda. Enquanto eu viver, meu toque será o princípio da história de sadim. Entrelaçarei meus dedos à dúvida: e caminharei com ela: para todo o canto. Criarei aquarela da minha ruína: sonhando com cores que ainda estão por vir.
Haverá um dia em que minhas palavras serão o gatilho para o silêncio que me espreita. Em que a espera vai bater à minha porta: trazendo de volta todas as minhas cartas endereçadas ao vento: caindo aos meus pés como folhas secas no outono.
Haverá um dia em que a chuva se recusará a cair por mim: e minha seca se fará sertão: entre um piscar e outro.
E quando eu não puder mais sentir, haverá um segundo pelo qual tudo terá valido a pena, e vou desejar fechar os olhos e gaguejar minha respiração falha para implorar que fique. E quando, no instante seguinte, todo o resto voltar à suas órbita normal: estarei arruinada. Meu tiquetaquear será sempre essa melodia desregulada, esse ruído irreversível. E meu toque será passageiro, como um floco de neve estilhaçando-se no asfalto. Mas, estarei sempre à um sopro de distância. Despedaçando-me em gritos do lado de dentro, perecendo em silêncio do lado de fora. Veja a marca dos meus dedos na sua porta, trago a tinta do batente misturada a pele e mantenho o frio dos dedos dentro do bolso, carregando à ausência entre os seios. E quando não puder mais me ouvir: desvaneci. Integrei-me à um vento que passava e me perdi.
Haverá: enquanto eu viver: um dia.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Conta-gotas.

Se não posso encontrar sentido nas palavras: então que ela jorrem como for: coloco minha mecânica sobre a mesa: desmembrando-a com a ponta do dedos. E minha resposta é sempre a mesma, um jarro vazio com a sombra sonhada dos vaga-lumes que poderiam existir ali. Então que seja, deixa a chuva passar e as goteiras secarem - as rachaduras já estão feitas e o que vier: virá, quando o tempo chegar. E gosto de pensar que o tempo ainda se fará, pelas minhas mãos: e que todos os meus calos: não visíveis: definirão a forma de uma linguagem nova, em que não me faltem sílabas para traduzir o incomunicável. E se o tempo acabar, que ainda me reste uma chance à um último erro - que eu possa encontrar um mundo maior em mim: com espaço para mais. E que minhas últimas palavras estejam todas quebradas, como um pensamento interrompido: de braços abertos às possibilidades. Mas, se me for permitido desejar: quero o deslumbramento de ser arrebatada, abrupta e continuamente, por oceano infindável: e quero ser levada ao fundo e à superfície, debater-me entre as rochas e deixar o corpo entregue a maré: quero a insensatez de mergulhar em um caminho sem volta, tendo ciência de que não sei nadar. Se me for permitido desejar, quero a ousadia, a estupidez: quero o bruto da vida: o centro vital de sua natureza contraditória. E vezououtra, perder as horas brincando de exteriorizar a loucura em conta-gotas.
- Danielle Bernardi

sábado, 14 de novembro de 2009

Ícaro.

Lembre-me de encontrar leveza, por mais insustentável que ela seja. Colocarei minha frustração em sopros e desafiarei o vento. Porque meu riso é minha declaração de inpedêndencia, meu atestado de loucura - e me recuso a conter minha necessidade constante de ter o espírito insatisteito. Tenho o corpo lânguido e quebradiço: com desejo de queda-livre. Minha vida pede vertigem e minhas asas derretidas sob o sol são o truque traiçoeiro de minha essência: fidelidade lírica que me compõe. Lembre-me de encontrar leveza, por mais insustentável que ela seja.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Redemoinho.

Bata a porta ao sair. Preciso que sua ausência faça barulho do lado de fora, antes que enolouqueça. E que os gritos dentro de mim percam a força, substituídos pelo retumbar de um motor tão falho, tão cansado. E quando os outros começarem a aparecer, vou sentir aquela mesma peça - desconectada na parte de trás da minha cabeça - comprometendo minha mecânica toda. Então vou sentar no chão, quando ninguém estiver olhando, perscrutando à mim mesma em busca de um sinal: emaranhando meus dedos nos nós que me compõe. E que não me olhem nos olhos por tempo demais, sou buraco sem volta. Deliro com fantasmas esquálidos e hematomas entre as costelas, pedindo à dor que me beije a fronte e me ponha para dormir. E quando ela não vem: minha apatia me leva. Carregada em seus braços sou ponto: sou começo: sou final. E continuo precisando ouvir sua ausência fora-do-meu-corpo. Desmembrar meus vazios em pilhas de dez centavos: construir pontes entre a impossibilidade e o róseo dos seus lábios. Venta-me com o ar dos seus pulmões: prefiro me desfazer em grãos - pousar na sua janela e encontrar descanso.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Ps. ...

Me mande um beijo de onde estiver. Vou colocá-lo na prateleira ao lado de todos os sonhos de cristal. E brincar de encontrar arco-íris nos cacos, quando meu caos acidental transformar tudo no lado avesso. E você pode rir se quiser, vou transformar seu riso em música e fazer da vida um algo mais. E quando você vier me procurar e eu estiver perdida: me encontre aonde as cores acabam e a tragédia começa. Terei ido atrás daquelas quatro letras sobre as quais tanto te falei - v.i.d.a.
ps. aquelas quatro outras letras ficam por sua conta, quando me encontrar.
- Danielle Bernardi

domingo, 18 de outubro de 2009

Alegria Derramada

Desnovelei as nuvens dos teus sonhos só para descortinar meu sorriso favorito nos teus lábios. E estou morrendo. E espero que você saiba: que ofereço meu coração: bem de mansinho: aos teus pés: para quebrá-lo como quiseres. E em troca te darei meu melhor sorriso. E minha alegria derramada será minha forma mais sincera de dizer que estou viva. E morro sim: outra vez: a todo o instante: para abrir os olhos outra vez e ser deslumbrada: invadida: desencantada. E te ofereço assim: a centelha dos meus olhos: em troca de uma palavra tua. E te ofereço assim: o mundo aos teus pés: ele é teu para ser conquistado. E sento nos degraus em frente a tua porta: por que é noite: e é verão. E isso tudo não tem fim.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Trevo-de-quatro-folhas

Despetalei um trevo-de-quatro-folhas por você hoje. Para te falar de coisas que fogem às palavras e vêm ao meu encontro. Para te falar que sinto muito, e que eu estava errada: e que estive, por boa parte de minha vida: e que persisto, por estupidez humana e por vontade: por que é tudo o que sei: o que sou: tudo o que tive à te oferecer: minha insuficiência, minha carne exposta a sol. E não se culpe: meus versos vieram partidos ao mundo: por que gosto mesmo é dessa coisa torta: desse desencaixe: dessa minha forma cheia de sombras e vazios: dessa minha mania de querer criar palavras para o que não se diz. Por que gosto mesmo é de soprar meu silêncio contra o vento: por que gosto mesmo é de esperar que você me escute. Por que é tudo o que sei: o que sou: tudo o que tive à te oferecer: meus suspiros de fé e minha fome de dor. Então vem e toma: meus pedacinhos: de trevo-de-quatro-folhas.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Anjo de Porcelana.

O grito rompeu na garganta, deixando no eco a sensação de borbulhas doces. Respirava com o cansaço de quem tenta ir mais longe, mais fundo do que permitido. Ofegante e pequenina: alma tão turbulenta, tão inquieta, tão desassosegada. E aquele voar raso - aquele quase cair - bem perto do chão. Bati com o dedo na superfície do vidro, provando sua amargura, sua frustração. Querendo alcançar sua mão, tocar suas asas, beijar sua fronte. Querendo estilhaçar a impossibilidade com minhas palavras e ver o sol se pôr sobre nossas dores. E você do outro lado, dançando dentro de sua gaiola: fechava os olhos e deixava o mundo entrar. Queria unir nossos dedos e nos tornar uma só pessoa. Queria nossa existência mútua, nossa permanencia sobre um mesmo palco. E buscar mais longe, mais fundo. Tocar com suavidade, com ternura o suficiente para converter os olhos em nascentes de águas salgadas. Queria sentir o palpitar entre as costelas, a falha, o disparo, a desaceleração. O vibrar caracteristíco pelo qual temos esperado há tanto tempo. E você pedia vida, em porções cada vez maiores: até o limite do insuportável. Pedia o corpo marcado por dores invisíveis, pedia tudo: até a última gota. Eu só pedia o espaço suficiente para te oferecer tuas asas, e unir nossos dedos enquanto corríamos em direção ao abismo.
- Danielle Bernardi

domingo, 20 de setembro de 2009

Prece.

E não sei fazer outra coisa, além de estar aqui: continuando ininterruptamente nessa busca de te dizer coisas que não têm palavras. Só quero deixar as coisas como estão por um instante, fechar os olhos e ir pra longe. Te buscar no silêncio e em qualquer canto. E não sei sentir outra coisa, além dessa falta, dessa urgência, desse quase-sentir desesperado. E eu continuo caindo, sempre sobre o mesmo ponto. E te sinto tão perto... E não consigo respirar.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Chamado.

É. Um daqueles momentos em que se é possível ouvir uma respiração, bem abaixo da superfície. Alguma coisa, viva, rastejando. E a força necessária para mergulhar na dúvida, com a graça de quem sente o vento no rosto e a palavra na boca. Com o gosto de quem absorve música por contato, pulando na beleza do abismo. É. O medo pulsando, de forma ensurdecedora, e a liberdade momentânea do sorriso - de quem fecha os olhos e se afoga no inebriante da essência, do imaterial, do efêmero - do agora. E seus olhos tão indefectíveis, que eu continuando guardando, atrás do pensamento, bem no fundo do principio e do fim.
- Danielle Bernardi

domingo, 13 de setembro de 2009

Globo de Vidro.

Limpei o embaçado do vidro e olhei o mundo lá fora: a chuva caía. E meu mundo girava e girava, como uma redoma embalando meu sono, calma, tranquila, constante. Perdi meus pensamentos em algum canto, procurando perguntas para as respostas que eu não entendia. E tive a moleza do corpo com um sinal de ausência, de mim dessa vez, não de você. E a lucidez estava clara e límpida, fora do meu alcance. Por isso, perdoe meu egoísmo central, não entendo nada nesses dias, além da constatação de fatos totalmente contrariáveis como meu estado de espírito. E sou como o lodo, embaixo de toda essa chuva. Desfazendo-se em começos e fins, em dobra, ondas e objetos estranhos. E sou como a busca pela palavra, para verbalizar o irracional. Com vontade de uma coisa que não sei o que é.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Caça-palavras.

Me empreste um minuto do seu tempo: vou brincar de caçar palavras na sua boca, enquanto o mundo desaba em gotas grossas do lado de fora. Não me interessa todo o resto, quero a loucura gloriosa de só ter você na minha cabeça, e a lucidez brilhante - vacilante - de dar três passos em direção ao incerto. E inventar arte de um jeito que te faça rir, deixar o estômago pulsando e o coração embrulhado. Me empreste um minuto, uma fração da sua vida: você já tem as chaves, venha e tome o que quiser. E no fim, quando eu abrir os olhos, voltarei girando ao centro oco de tudo. Vou caçar palavras na sua boca para falar das coisas que eu não entendo - para disfarçar minha forma toda vez que você me ver por inteiro - para preencher o silêncio dentro do oco, e o oco dentro da boca. Para falar de coisas que eu não entendo e calar o silêncio por uma fração de segundo, por uma fração de nossas vidas.

- Danielle Bernardi

sábado, 22 de agosto de 2009

Achados&Perdidos

Todas aquelas coisas que não se diz foram lançadas à mesa e lacradas em cartas sem data para chegar. Cansei de vírgulas e pontos ofereço esses papéis rasgados cheios de notas nas margens e do meu bem-querer pegue-os e faças o que quiseres. Eles só lhe serão entregues depois que eu me for em uma caixa desagastada de achados e perdidos cheia de desenhos cor de pérola envelhecida. Todas aquelas coisas que não foram ditas rasuradas em segredo em lonas de circos do século passado e todas aquelas manchas e espaços em brancos em provas concretas desfazendo-se entre os dedos. E os trapezistas lhe trazendo minha lembranças entre as cinzas de um novo dia. Cartas lacradas sem data para chegar finalmente lembre-se de mim queimei o mapa que vinha ao meu encontro e me deixei levar pelo tempo para além do esquecimento.

- Danielle Bernardi

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Anemia.

Meu eu lirico não tem calma, tem fome. Tem esse apetite voraz, insaciável, sedento. Tem o poder de consumir em silêncio, sem que ninguém veja. E fala sempre, grita na verdade, com todo o ar dos meus pulmões - pela ponta dos meus dedos. Mas também cala, e não respira. Sufoca e engasga, mas não se revela. Ouça seus rugidos, seus lamentos, seu trovoar perante a inanição que há tanto tomou conta. Tudo o que me resta são esses membros fracos, o branco dos olhos... E o vibrar fraco da existência pura, em seu clamor exagerado - necessário. E ainda espero ouvir teu nome...

- Danielle Bernardi

domingo, 2 de agosto de 2009

Solstício.

E às vezes tudo o que falta é um amor calmo, de maresia. Com a carícia da areia entre os dedos e os sonhos fáceis de sonhar. Uma coisinha boba e descomplicada, para colocar o mundo de volta nos trilhos e o coração no lugar.
Só dói demais admitir...
E sentir essa saudade do que não se tem...
E você sabe, e eu sei.


- Danielle Bernardi

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Folhas Secas.

Quando você ouvir o farfalhar das asas de uma borboleta, talvez se lembre das coisas que eu diria, se tivesse voz. E se perguntará o que foi que fiz de todos aqueles brancos e espaços não-preeenchidos, e respondo agora de antemão: estendi-os no varal, esperando que o vento venha. Ofereço-os todos, se puder ouvi-los - venha e pegue-os, são todos seus, do começo ao fim - cada um deles.

- Danielle Bernardi

terça-feira, 21 de julho de 2009

Orvalho.

Essa incerteza que me rasga o peito, e que se expõe, como meu bem mais precioso. Não abro mão da dúvida e da palpitação frenética da busca. Construo casas em terrenos de nuvens, com as chaves todas bem guardadas e quase tão óbvias que me assustam. E estou sempre a espera, à deriva, com meu espírito cansado tropeçando em direção a queda, e ao vôo - se possível. E não sei viver diferente, e talvez não queira, e talvez não mude. Me aceite ou vá embora, antes que os olhos se fechem e a palavra desapareça, levando consigo a imagem, o semelhante e a essência. Vislumbre de milagre e pecado, entre um piscar e outro, entre a fé e a loucura, e o desespero quieto que me move, quente e frio contra minha pele. Estou a espera, à deriva. E essa incerteza... Essência, inocência, medo. Um tremular cálido antes do pulo - e da entrega.

- Danielle Bernardi

domingo, 19 de julho de 2009

Eco.

Todas as coisas de valor saíram pela porta, enquanto observávamos as nuvens debruçados na janela aberta. O rádio tocava baixinho, carinho melancólico correndo pela casa. E golpe a golpe, nota a nota, ficávamos mais mudos e mais e mais densos. Incapazes de parar a vida lá fora, nos rendíamos a brisa, ouvindo os dias que estavam por vir, logo ali, na esquina... Tão distantes. E a madrugada era um campo aberto, estendendo-se através dos prédios por becos sem fim, e no meio de tudo aquilo, entre as sombras e os devaneios, esperávamos ouvir o palpitar de outra pessoa. Mas as nuvens cor de chumbo deslizaram nossos sonhos para o horizonte, numa tortura lenta e bruta. E quieta, muito quieta. Queria virar o rosto, encontrar seus olhos, perguntar o que passava pela sua mente bem ali, naquele instante. Mas meus lábios estavam tão rigidamente selados que minha vontade permaneceu presa entre os dentes, com o sabor de algo que não sei identificar. O cheiro de café fresco foi uma onda nova, impregnando-se junto a impaciência e à pele, afastando as cores e os pensamentos, não deixando nada além daquela densidão que nos consumia por dentro e nos matinha tão próximos e tão mortalmente distantes. Estávamos presos, perdidos nas tramas daquela armadilha tão agridoce e tão silenciosa. E embora o rádio continuasse a transmitir, em sua freqüência cadenciada e ininterrupta, observamos os grãos do tempo se desenrolarem uns nos outros, abraçando-se sob nosso olhar atento e nosso pulsar descontrolado. O mundo desaparecendo pelas bordas, enquanto esperávamos, enquanto o silêncio nos engolia em sua mortalha quente e ambígua. E a solidão nos espreitava, pelas frestas de nossos medos, de nossas faltas... Queria alcançar sua mão e sentir seus dedos contra os meus, e ter a certeza deslumbrada de que tudo era possível e não mera invenção. Queria aquele medo todo para mim. Mas... A madrugada escoou, e golpe a golpe, nota a nota, a realidade voltou. Tão antiga quanto essa distância e todas aquelas nuvens cor de chumbo.

- Danielle Bernardi

domingo, 21 de junho de 2009

[Re]Encontro.

É isso, estou de volta. Nós dois sabíamos que cedo ou tarde esse momento chegaria, então que comece tudo outra vez, se esconda o melhor que puder - eu estou contando. Que venha a chuva, a dor e a mágoa, a ausência é a busca enraizada em mim. Faça seu melhor movimento, minha jogadas não terão fim. Um brinde à espera e ao reencontro - aonde quer que ele esteja.

- Danielle Bernardi

domingo, 14 de junho de 2009

Causas e Danos.

Não deixe a palavra cair, jogue-a para o alto e molhe-se na chuva de mágoa lá fora, mas não a deixe cair. Grite o mais alto que puder, contra todos os ventos, contra todos os tempos, contra todos os medos. Seja a criança no escuro, seja o sinal e a espera, seja o inesperado. Quando as flohas caírem, eles todos precisaram de sombra e descanso - seja a brisa, seja a tempestade, seja a mudança e a calmaria. Seja o vento, seja a força, seja o ar, seja a voz por todos os cantos, murmurando sem parar. Seja a carne que vibra, o corpo que sente e mergulhe o mais fundo que puder. Abrace os erros e as segundas chances, mas não deixe a palavra cair. Você precisará dos braços firmes e dos pés trôpegos, da consciência insone e da dúvida sobre a pele. As estrelas caem em algum lugar, faça sua escolha, faça sua mala. Deite-se na cama e escreva sua história. Até lá, traga o guarda chuva, ainda chove lá fora.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 9 de junho de 2009

Nova Quilometragem.

Tetos de açúcar, se desfazendo em torrões. Alguém como eu, alguém como você. E o riso dos anjos é um sussurro em que deixei de acreditar. Enquanto canetas caem dos céus, as estrelam colidem em algum lugar. O momento é o agora, e nada será como era para sempre. Todos os segredos, transformados em poeira, voltam a se reunir sobre meus pés, e a gente até chega a acreditar nas verdade de barro que compra em esquinas tortas por aí. Até que o momento se dissolva, e o paladar enfraqueça, tornando aquelas mentiras muito mais fáceis de engolir. Vidro e canela jogados para o alto como confeitos, como confetes. Alguém como eu, alguém como você. E todas essas estradas que sempre insistem em levar ao lugar errado. É sempre um pulo novo, e é queda. É sempre queda. Sempre. E sempre. E sempre.

- Danielle Bernardi

sábado, 6 de junho de 2009

Epílogo.

A palavra gagueja, tropeça, e se desfaz em enormes gotas de tinta, que caem pelo chão. São poças escuras, poços sem fundo - sem começo. Veias correndo na direção contrária, escorrendo pelos dedos em trilhas sem caminho, sem traço. E a palavra engasga, sufoca. Duas doses cheias de cacos e frangalhos, quando a palavra quebra, não há conserto. Procura-se um exorcista.

- Danielle Bernardi

sábado, 23 de maio de 2009

Fim.

É isso. Eu manterei tudo guardado, até você voltar. Não se surpreenda com a fechadura emperrada e as lascas de tinta caindo, é tudo muito pior do que parece. O estrago é um sorriso torto que caminha por aí, todas aquelas cicatrizes bem disfarçadas, pintadas de preto e branco. Desespero é só uma palavra, o caos real não se define. E não importa quanto o tempo pare, e quantas ausências se tenha, o mundo ainda gira quando se abre a porta, distorcendo tudo em arco-íris e promessas, descendo num mesmo ralo. Então venha e gire a chave, Pandora está a sua espera. No fim, nós dois sabemos que eu ainda vou te encontrar, não importa quanto tempo eu fuja ou me esconda, ainda é preciso quebrar alguma coisa. Enquanto isso, eu manterei tudo guardado - até você voltar. Palavra.

- Danielle Bernardi

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Sereníssima.

Talvez seja disso que a vida seja feita: notas caleidoscópicas que não se pode ter. Um série de fotos que se abrem, como janelas, bem a sua frente, bem longe do seu alcance. Talvez seja só um fim de tarde, em que voltamos para casa ouvindo o caos do universo se instalar e assentar dentro do peito, como quem encontra o caminho de volta ou descobre que é possível andar sozinho. Um momento de clareza, que sopras as nuvens para longe, e deixa a tempestade para depois. Quando o mundo é um espaço vazio para se colorir, e é possível começar tudo de novo. Quando não há mais ninguém, apenas a quietude de ouvir a si próprio em silêncio. Talvez seja isso o que estivemos procurando por tanto tempo. Andar sobre as cordas com a beleza e a graça de quem pode voar, tendo a certeza de que o mundo é do tamanho daquilo o que se sente, e que não importa o que, quando ou onde, na verdade nada importa porque tudo pára por um instante. É quando os relógios calam, e o tempo desaparece. Quando se dança com o vento sem sentir o peso do corpo. E é tudo o que é, e não o que deveria ser. E a razão das coisas parece se alinhar com a sua própria razão de ser. Talvez seja isso o que chamam de liberdade. Aquilo que todo mundo deseja e fala sobre, mas nenhuma lei humana explica. Quando as palavras são um artifício bonito que se usa para fazer círculos em volta de si mesmo, desenhando cores que a gente não lembrava que existiam. Quando o som toca de verdade, e despe-nos de todo o resto. Quando se fecha os olhos e não se está em lugar nenhum, a não ser dentro de si mesmo. Talvez seja quando se encontra consigo mesmo, aceitando-se em uma carícia silenciosa que sussurra através da pele. Quando é sempre possível se perder e se encontrar, e voltar àquele mesmo lugar, o ponto onde tudo começa e onde tudo termina.

- Danielle Bernardi

domingo, 10 de maio de 2009

Flores Proibidas.

Ela estava lá, joelhos no chão, lágrimas nos olhos. O desespero no rosto e tantos sentimentos na voz, que a rouquidão era conseqüência válida, era a dor sussurrada pelas entranhas. Ele desenhava princesas em vestidos amarelos, casas que perdiam a cor e pessoas que partiam. E guardava tudo atrás de um grande sorriso, de uma mentira despreocupada, de um alguém que procura abrigo. Desligue a TV. Tudo parece um terço de nós. Quando ela pede uma razão para ter com o que se importar, quando o velho tocador de gaita consegue nós alcançar através do vento frio, quando ele estraga tudo. É o que fazemos de melhor não é? Estragar tudo... Jogar as coisas boas para o alto, esperando que elas não se partam quando caírem ao chão, esperando que possamos levantar o mundo na ponta dos dedos e fazer malabarismos com os corações dos outros. E no fim são só várias pessoas diferentes, dividindo lágrimas em diferentes cantos do mundo. E é quando um em um milhão resolve atravessar um oceano, quando temos uma razão para acreditar de novo. Quando o mundo é um casulo que a gente constrói, esperando um dia poder sair um pouco melhor em si para valer para um outro alguém. São só cabanas que a gente constrói, entre travesseiros e os sonhos das vidas que gostaríamos de ter. É um desejo, soprado em segredo num beijo de fim de noite. Desligue a TV, eles só estão procurando um lugar aonde se possa descansar. Um lugar aonde deitar a cabeça tarde de noite e fazer da escuridão um cobertor aonde se possa escrever todos os medos antes de entregá-los a outro alguém. É então que todo o caminho torto vale a pena, e nada seria diferente se apenas houvesse aquele momento. É quando se pode desligar a TV e se aconchegar no lugar aonde você pertence. Eu gostaria que pudéssemos. Fazer de uma noite uma eternidade e de nós mesmos duas crianças, sentir o sereno na pele e esquecer de todo o resto. Eu gostaria que pudéssemos, conquistar todo o mundo outra vez, pedaço por pedaço, peça por peça. Fazer da nossa loucura - sentido; e de cada canção uma viagem. Um abraço desesperado, um amor enlouquecido, um banho de lágrimas que nunca sequem. Sim, eu gostaríamos que pudéssemos - reconstruir todos os dias nosso castelos de sorrisos. Deixar a chuva levar nossos pensamentos enquanto dividimos nosso medos, rearranjar a ordem dos planetas com um só beijo, viver o dia como se ele nunca fosse acabar e ter a certeza e a segurança de se poder fechar os olhos e pertencer aonde se está.

- Danielle Bernardi

sábado, 9 de maio de 2009

Olho Mágico.

Seus olhos eram como uma tortura silenciosa, límpida, crua. Era a verdade sincera e dolorosa, a palma que se estendia e a vida que ia embora. Eu colocaria um feitiço sobre nós, se pudesse. Nos juntaria em uma mesma só massa, em uma mesma só mentira. Nada mais de dedos frios procurando se alcançar através do vidro, nada mais de 'feitos um para o outro' sem final feliz. Nada mais de erros que bloqueiam começos e que se arrastam junto a gente por todo o tempo. Seu silêncio era o mais palpável, excruciante, humano. Era tudo o que eu temia ouvir e que não saia de minha cabeça. E tudo era só um ponto perdido nessa dança, era onde nossas mãos se encontravam, e se buscavam, e se perdiam. E éramos dois mentirosos sorrindo, esperando pelos bons tempos. Éramos duas figuras cheias de cores, se revelando na escuridão. Então empurre essa redoma de vidro, leve nosso globo de neve até o ponto máximo e veja nossos caquinhos se espalharem pelo chão. Me deixe, me deixe, me permita. Quero dançar na ponta dos pés sob as notas do cordel. Abra a caixinha de música e junte-se a mim. Me faça fechar os olhos, me faça ouvir a música, aceite o desafio - me pegue pela mão. E quando as cortinas fecharem, serão nossos dedos se entrelaçando pela grama, será o silêncio da noite por suas mãos. Depois disso, todo passo de dança será uma lembrança, um suspiro - uma viagem entre dor e prazer, entre buscar e se perder. Me permita... Estou esperando pelos bons tempos, fitando o mundo girar lá fora.

- Danielle Bernardi

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Segundo Pensamento.

Dobre-se sobre seus joelhos.
Ele disse, dobre-se sobre seus joelhos.
E quando alguém levantar a sua cabeça, com força
Que a afronta esteja em seus olhos, ousadia gloriosa.
Quando a terra marcar seu rosto, entre o sangue e a lama
Que haja sobras de lágrimas entre seus lábios partidos.
O gelo será a testemunha, o amante final
E não importa quem esteja ao se lado
Você ainda estará sozinho.
Seu mundo é grande demais para os seus ombros
E eles vão quebrá-lo até que sua grandeza seja poeira.
Seus olhos sonham mais do que podemDobre-se sobre seus joelhos.

Ao fim do dia, serão suas palmas marcadas na neve
E seus pequenos ossos quebrados, e o seu grito no vento.
O inverno passa, as folhas caem. As pessoas partem, o cobertor esfria.
As pessoas dobram, o inverno passa. Os joelhos dobram, a lama seca.
A terra lembra, o vento canta. Os sonhos crescem, as pessoas quebram.Dobre-se sobre seus joelhos, você é o único que continua de pé.

- Danielle Bernardi

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Duas Músicas e um Pássaro.

Estou atrasada. O relógio toca em algum lugar. E você compra meu coração em lojas de souvenir enquanto corro contra o vento para perto de lugar nenhum. Nada está a salvo hoje, sou uma vitrine aberta sem travas de segurança, cantando pesadelos para ter algo sobre o que falar. E em algum lugar existe uma ocasião em que eu deveria estar, e minha ausência é um buraco que sinto, sem saber se existe. Não, não respire. Essas gotas no seu rosto são só imaginação, são a troca da estação no rádio, o pensamento solitário que nunca vai embora. E eu não preciso de você, de maneira alguma. Não, não respire, o relógio toca e quanto mais perto, mais danificados ficamos. Um passo a mais pode ser o nosso fim, o ponto em que nossas mãos se tocam e o efeito borboleta começa. Um caminho de perdição que só nós levará um ao outro, afogando-nos juntos. Não, não respire. Guarde seu fôlego para todo o dano que ainda causaremos, seremos o erro principal dessa peça. E não sobrará palco algum enquanto estivermos de pé. Não haverá misericórdia para cada pequena coisa que nós fizermos. E quando eu acordar, não haverá mais nenhum lugar para onde ir, e eu já não poderei mais dormir.

- Danielle Bernardi

domingo, 3 de maio de 2009

Mais do Mesmo.

Te roubei no ardor na hora, e então já não podia mais fugir. Fingir que tudo estava bem, quando nós dois desmoronávamos em silêncio, era a solidariedade mais pura, a covardia mais atroz, o medo mais selvagem. E não poderia mais te devolver a ti, mesmo se quisesse. E não quero, tenho quase certeza de que nunca quis, e nós sabemos de que quases-certezas são as mais perigosas, e talvez as mais verdadeiras - pois não são livres de dúvidas. E nós sabemos que nada que seja livre de dúvidas deve merecer confiança. O mundo deve se contestado, conquistado, jogado ao vento para entrar em sua órbita sem razão, para nos arremessar no meio do caos e nos fazer dobrar sobre nossos próprios joelhos. Quando nossa rota tiver voltado ao normal, saberemos que quando te roubei de ti, fiz o que tinha de melhor. E se meu melhor é meu crime, me julgue em cortes sem juízes e sem tempo determinado, me encaminhe ao banco dos réus e seja meu promotor, meu advogado de defesa. Não tenho certeza se me arrependi de te furtar em tua essência, pois não é mais como se fôssemos corpos estranhos, mas sim uma mesma parte do mesmo todo, complementada com vazios que nunca serão preenchidos. E às vezes, por mais certezas que eu possa girar com um mesmo dedo, me pergunto se não teria sido melhor não ter você como parte de mim, quem sabe assim poderiamos nos desligar sem ressentimentos, sem a falta que você faz em todo o canto. E uma vez que eu tenha te roubado, é inevitável que voltemos sem parar ao mesmo ponto, até que eu seja mais você do que eu mesma, e por mais assustador que isso pareça, parece tão certo que é como se o mundo tivesse nova órbita e nós parecemos outra vez, dois elementos certos no mundo. Então me deixe te roubar, eu te desafio. Assim quando nos encontrarmos em uma rua deserta desse mundo cheio de gente, poderemos voltar a ser um pouco de nós mesmos, um no outro, da melhor forma que sabemos. E no ardor de todo novo dia, eu serei um pouco mais você do que eu mesma, e poderemos dar as mãos e ir para casa, procurando nosso lugar no mundo. Somos dois elementos certos, outra vez.

- Danielle Bernardi

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Chaves.

Quantas vezes ainda será preciso se esconder em um armário para sentir alguma coisa? Dividindo sorrisos com fantasmas que o tempo não apagou e sussurrando segredos por toda a noite. Por quanto tempo será preciso ver o mundo através de uma fresta pequena, atendendo a telefonemas mudos, esperando para ouvir uma respiração? Até quando será preciso esperar que a cidade durma para parar a solidão? Quando chegará a hora de ficar de pé, tendo a certeza de que se está a caminho de alguma coisa? Por quanto tempo mais as máscaras serão necessárias? Ainda é cedo para começarmos a sonhar com o primeiro passo? Já é tarde para abrir as portas? Alguém perdeu minhas chaves? Não as encontro por lugar nenhum. Bata duas vezes se for entrar, não faça cerimônias, tenho esperado pela chuva e pelo vendaval por tempo demais. Arrase todo o lugar sem deixar vestígios, os danos ficarão para mais tarde, com nomes gravados perecendo sob o Sol. Sussurre mentiras bonitas enquanto durmo. Me faça rir sobre a dor, sentindo o gosto salgado preso no lábios e na partida. Não vá, não volte. Me arraste para o fundo, me afogue. Meio morta por metade do caminho, me jogue aos fantasmas e aos monstros dos quais me escondi. Sopre verdades dolorosas na minha cara, como fumaça sem cor. Já é cedo demais para começar? Ainda é muito tarde para abrir as portas? Veja uma estrela, faça um desejo. Não olhe para trás quando for. Atendendo a telefonemas mudos, enquanto a cidade dorme. Entre sorrisos divididos e respirações audíveis. Que venha a chuva e o vendaval, os danos serão meu passatempo para o depois - para quando o armário se for, para quando for preciso caçar fantasmas e enterrar segredos entre o caos. Eu não acredito em nada disso. Apenas quebre o círculo e respire para mim. Você sabe que é melhor que isso.

- Danielle Bernardi

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sonho Ruim.

Ligue o rádio para mim. E espante esse sonho ruim, por favor. Não me espere sussurrar dentre o sono, venha pegar a minha mão. Entrelace seus dedos nos meus e faça esse eco vazio ir embora. Ou me deixe só, para me abraçar com a noite e uma melodia triste. Cedo ou tarde cairei num mundo sem sonhos e então, outra vez, o dia sempre começa com todos os silêncios que eu precisava dizer - se houvesse alguém para escutar.

- Danielle Bernardi

terça-feira, 28 de abril de 2009

Vinagre e Sal.

Ei, era um dia colorido aquele, certo? Em que corríamos sem pressa contra o tempo, com nossos espíritos juvenis exaltados, gritando por liberdade. Ou era tudo um sorriso ao observar uma foto? Uma lembrança corrente com o gosto fresco perdurando nos lábios. Talvez fosse só um devaneio também, já não me lembro bem. Talvez tenha sido mais um daqueles dias em que perdi, ou que ganhei, vivendo outras vidas em um único suspiro. A gente nunca sabe, certo? Depois que perdemos o contato, toda vez que penso em você é sempre aquela mesma coisa, aquela centrífuga que tira meu eixo e gira o mundo que construí pra mim, ou que me foi construído, já não lembro disso também. Já não lembro se você desfaz meu mundo ou se me traz clareza... Para ser sincera, parece que tudo vem desaparecendo nos últimos tempos, e tudo o que sei parece misturado com sombras e ausências de certezas que um dia eu jurei ter. Aquilo tudo foi verdade, ou só minha vida quando fecho os olhos? E mesmo assim você achava algo palpável em seu passado, quando tudo o que tínhamos era um abrir e fechar de ontens com os olhos sempre abertos, prometendo um até logo. Parei de lembrar daqueles dias. Parei com muitas coisas na verdade. Sem mais sorvete de flocos em dias de chuva, ou dormir no telhado pelo menos uma vez em todo o verão. Parei com o tempo que não anda com o relógio. E parei de dizer a verdade também. Tudo o que tenho é sarcasmo. Assim, se ler algo meu um dia, faça aquela coisa de franzir a testa ou dê aquele sorriso escondido, pois não sei de qual dos dois gosto mais. Depois me amasse e me jogue no lixo, não é como se eu não tivesse feito isso antes. E durma com os anjos meu bem, enquanto se esforça para não pensar em mim e em tudo o que disse. Eu sonharei para você beijos e poesias, enquanto você rola na cama se perguntando de onde é que tirei tudo isso, e tudo o que está por vir. E quando acordar, me olhe no espelho. Eu estarei lá. Na ironia e na inocência de seus próprios olhos, ou eu deveria dizer nossos? Deixe para lá, já está ficando tarde e cedo demais. Vá sonhar com alguma coisa, ou fingir que não sonha só para ter uma razão para fechar os olhos de novo. Eu ainda estarei lá, mesmo depois que você fechar a porta com o ponto final. Nós sabemos que ainda darei as caras, nem que seja num riso breve e sem sentido, que te faça olhar mais para dentro e te mantenha em pé por mais algum tempo. Porque sem a loucura, não seremos nada. E ser normal não é para o nosso bico meu bem, nem pro bico de ninguém que te vê de verdade, e que me vê também, acenando num ímpeto incontido, num fim de texto que nunca chega. Só mais cinco minutinhos. Só mais um beijo e uma última piada. Você me tem quando quiser. E sei que ainda temos aquela juventude toda pela frente, não importa quantos anos eu aparente quando te olhar de volta. Boa noite meu bem, te vejo pela manhã. E quando você sorrir, eu sorrirei de volta.

- Danielle Bernardi

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sonhos Cadentes.

Haverá o dia em que as estrelas olharão por nós no mesmo instante em que estivermos olhando para elas. Até lá, ainda estaremos procurando. Segure o seu fôlego, ainda temos tempo e estrada pela frente. Ainda estarei guardando tudo em caixas para quando você chegar, ainda estarei sendo apenas metade, má-vontade. Haverá o dia em que a certeza se desmanche em lágrimas, como uma porta que abre pela primeira vez. Então nos olharemos nos olhos, e sentiremos a pulsação um do outro na palma de nossas mãos. Até lá ainda haverão vibrações e batimentos surdos. E quando finalmente olharmos as estrelas, entrelaçaremos os dedos e deitaremos na grama molhada do sereno, fitaremos o infinito e de alguma forma nos veremos nele refletidos. Naquele momento o mundo será um detalhe esquecido, um ponto no tempo deixado para trás. E não precisaremos olhar um para o outro para saber que estamos sendo observados, e não precisaremos falar para sermos sinceros. Haverá o dia, em que a noite será a eternidade, um eterno deleite da serenidade que buscamos. Até lá ainda seremos insones, corpos cansados de coração dolorido. Ainda terei as palavras que nunca disse, na ponta da língua. E sentados sob aquele mesmo céu, desejaremos que o futuro nunca chegue, e que possamos ficar presos, um ao outro naquele lugar. E a pressa não será necessária, e a saudade que nos consome permanecerá quieta, aconchegada entre o as pausas de nossa respiração. Haverá um dia em que a realidade será um filme bonito que desejamos recordar, uma história que gostaríamos de contar à nossos netos, quem sabe. E quando todas as palavras faltarem para descrever aquele momento, encontraremos os olhos um do outro e ultrapassaremos o limite da compreensão. Ate lá, as estrelas ainda estarão procurando por nós.

- Danielle Bernardi

domingo, 19 de abril de 2009

Sopro.

Porque às vezes a certeza faz falta. E tudo o que resta é um buraco enorme, sem promessa para ser preenchido. E até o vento ecoa num oco esquecido, envelhecido, dolorido. E somos todos velhos solitários, oferecendo bengalas de apoio para nossos corações, se encolhendo do frio e da esperança de sonhar de novo. E somos todos almas perdidas, cegas, batendo contra paredes, fingindo que tudo está bem. Enquanto isso o tempo passa, marcando o vazio dos dias de espera e a fumaça das alegrias que juramos ter sentido um dia. E nada nos resta, além de alimentar nossas ilusões e cogitar sonhar de novo. A dúvida assombra, alimenta, entristece, transtorna. E tudo o que queremos é a fé justificada, a causa certa, o destino concreto. Só por um momento, antes que tudo nos enlouqueça. E como a fé justificada nunca chega, nossas mãos se fecham em torno da fé cega, da esperança surda, esperando que um dia tudo bata a nossa porta. Então ficamos cansados do círculo vicioso, sem forças para parar de esperar, sem a chance ou a ousadia de se entregar ao desespero. Ficamos caídos, observando tudo girar dando um momento para a tristeza antes de nos agarramos a esperança outra vez, com ainda mais força. E somos todos velhos solitários, almas perdidas. Somos eu e meus reflexos, meus pensamentos, meus medos me encarando de volta. Somos um conjunto de estrelas e o caos completo. Somos a teimosia e a fé, agarradas fervorosamente uma a outra. Enquanto o tempo passa, enquanto a espera continua. E o vazio se torna espaço, se torna presença, se torna fardo pesado, manto invisível - segunda pele. E a batida mais forte se faz ouvir quando prendemos a respiração, retumbando até à ponta dos dedos, enchendo a sala por um instante, procurando direção antes de voltar para nós, com a fúria de uma onda que nos afoga por tempo o bastante para tentarmos outra vez. Para esperar sempre um pouco mais, um minuto que seja. E somos velhas almas, perdidas e solitárias. Sorrindo com o absurdo e sendo sempre um pouco mais tolas para continuar. Um pouco mais determinadas, um pouco mais esperançosas. Somos o grito incontido, o chamado constante. Somos eu e meus fantasmas, meus sonhos, a procura de um lugar para descansar. A procura da certeza e da dúvida, numa mesma pessoa. E a fé justificada é só uma sombra distante, que não alimenta por tempo o suficiente. E a dúvida é combustível, é transtorno. É o caminho. É a palavra e o sorriso que procuramos, numa mesma fonte. Somos eu e a esperança - a fé desesperada, gravada bem fundo em um nome que desconheço. Somos todos velhos solitários, almas perdidas, à procura de esperança, à procura do esperado. Somos eu e o caminho sob meus pés, e o sentido logo em frente - quase ao alcance das mãos. Somos eu e só, correndo colina acima, esperando pela chuva que faça isso tudo desmoronar - esperando pela chance de ter algo em que acreditar outra vez. Eu e meus medos, me encarando de volta. Almas perdidas - envelhecidas, doloridas, solitárias.

- Danielle Bernardi

terça-feira, 7 de abril de 2009

Travesseiro de Penas.

Tem alguma coisa errada. Não era para ser assim...
Tem alguma coisa faltando. Cansei de mim.
O sono e a falta se confundem, se tropeçam, fermentam... Fazendo os limites de um parecerem o sonho de outro. E é sempre assim. Sem jeito, sem trejeito, meu tipo de insolução favorita. E neologismos a parte, tudo é invenção mesmo, é não enxergar fim, não enxergar começo. É estar certo da tempestade chegando e virar as costas para maré. Jogue tudo isso fora... É culpa do sono, da falta. Da noite que acaba e começa num mesmo ponto. Cansei de mim. Quero minha noite sem sonhos só pra fingir que tudo continua bem amanhã, quero a bagunça de lençóis e cobertores como a carícia dolorosa que a falta faz. Não era para ser assim... E a neblina parece tanta que às vezes me esqueço de como era para ser, e me confundo, e troco tudo. Passado de cartas trocadas, baralho na mesa, coringas guardados. Tem alguma coisa faltando. E um enorme elefante na sala - de lembrete. E o sono não diminui nada disso, só dá voltas no mesmo lugar, tentando achar conforto ao redor desse buraco. E a falta - insone - consome, maltrata. Os pensamentos já não se juntam como deviam, e depois de seis minutos sempre haverão mais seis da mesma canção. Mas o repeat desses dias já está gasto. Perdeu cor, perdeu forma, perdeu tudo. E continua travado no mesmo lugar. Tem alguma coisa errada. Alguma coisa não, porção de coisas. Mas é tudo sono, sonho, delírio, loucura. É tudo vírgulas e pontos. É sempre assim. E a falta - insone - consome, maltrata.

- Danielle Bernardi

sábado, 4 de abril de 2009

Faíscas na Estação.

Pegue o trem partindo, antes do amanhecer. Veja a neblina se dissolver em dia, através da janela. Encoste a cabeça no vidro, olhe o horizonte, e peça para que a viagem não tenha fim. Sente-se comigo. Compartilharemos o silêncio eloqüente que nos deixa nus. Sentaremos frente a frente, olhando para nossos reflexos na janela, com todos os pensamentos a milhas e milhas por hora. Consegue sentir? É aquilo tudo crescendo de novo. Com faíscas de luzes, nossas vidas a nossa frente. Depois vá, e me deixe. Mas pegue o trem partindo outra vez, faça a viagem sozinho, sem saber pra onde está indo. E quando todo o sentimento parecer sem nome, deite a cabeça no encosto, perca alguns segundos olhando através do céu. Esqueça todos lá fora, deixe a bagagem na estação e quando sentir frio coloque as mãos nos bolsos. Suspire bem fundo, mas não diga nada. Para onde o trem está indo você não precisa de palavras. Deixe a nostalgia correr, pense em tudo o que se foi e naquilo o que não voltará. Abrace os joelhos, se houver dor. Dispa-se do compromisso de deixar os pensamentos pra depois. A viagem é longa e os fantasmas ainda estarão lá, te esperando na estação. Encoste a cabeça no vidro, esqueça o compasso do coração. Nenhuma palavra será dita, apenas deixe os olhos distantes, no horizonte, no caminho sem destino.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Nada Dura - Para Sempre.

Inquieta. Com uma ansiedade sem razão revirando seu estômago. Toda a noite era a mesma coisa. A mesma repetição de um querer e um não-querer ao mesmo tempo, tempo que devia passar, tempo que devia parar. E aquele não-saber angustiado, o não-definir sentimento, nome, situação. Era o escuro da noite lá fora. Eram milhares de músicas que nunca se encaixavam. Era a palavra como a fuga e a fuga perdida no silêncio, e a ausência de si mesma presa em algum lugar. Era a música errada, a palavra esquecida, a ocasião passada. O não-tentar, nem chegar perto daquilo o que devia. E o dever de não-dever nada a ninguém ou coisa alguma. O não do verbo a tornando uma negação por completo, e a afirmativa é uma mentira, ilusão de fim de tarde que se apaga quando a escuridão chega. E antes que o momento fosse eterno, ele já teria partido, deixando buracos, faltas e falhas marcando a noite de hoje todo novo amanhã. E antes que fosse tarde já seria cedo demais pra começar tudo de novo. E nesse meio-tempo nada termina. São só começos repetidos, dejá vu de todo o dia, aos olhos de quem quiser ver. E quando o não-ser, o não-saber e o não-querer vão embora, fica ela lá, meio morta, meio perdida, procurando razão pra tudo aquilo e esperando uma nova dose, uma explosão de nãos de verbos no meio da monotonia. O não-sentido é o preço, mas é pouco quando no sentido não se vê graça. O não-tempo é o que incomoda, o não-hoje o não-agora. O nada-dura-para-sempre antes mesmo do começo. O não-tempo é o que mata, porque não é verbo, porque não é nada, e porque é tudo o mesmo tempo. E antes que fosse tarde já seria cedo demais pra começar tudo de novo. Não-tempo. Não-hoje. Não-agora. E fica ela lá, meio morta, meio perdida. Buracos, faltas e falhas marcando a noite de hoje todo o novo amanhã. Esperando uma nova dose... De nãos de verbos, de negações no espelho, e da sensação que há muito se fora, sem ficar tempo o bastante para ver as estrelas ou esperar a chuva.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Água e Vinho. Fome e Pedaços.

Se houvesse uma só maneira de dizer isso tudo, eu a trancaria em algum lugar esquecido. De nada vale tudo isso se só houver uma caminho entre certo e errado. Prefiro o inventado. A tentativa é a verdadeira mensagem, é o grito mal contido que escapa pelas minhas mãos, procurando destino, procurando razão. Se só houver um por quê, prefiro não o saber, quero a dúvida como minha máxima principal, quero o quebra-cabeça se desenrolando peça por peça, sem promessa de fim. Não quero uma vida sem mistérios, sem dilemas, sem tons de cinza. Quero procurar o preto e o branco em todo o lugar, e bater de frente com verdades que eu achava certas e encontrar crenças definitivas. Quero a certeza de ser tudo o que posso, de ser o máximo de mim em cada coisa e em cada segundo. Quero a vida pois sou egoísta, quero vivê-la agora e quero um agora sem fim. Todos os meus quereres não são desculpa, não são falsas ambições, não são nada além daquilo que são. E os sentidos por trás de tudo, os motivos, a inconsciência do mundo, isso tudo se revela por vontade própria quando convém. Sou sincera o bastante para admitir meu egoísmo humano, teimosa o bastante por exercê-lo como direito e tola o bastante para querer a água e o vinho, a dor e a felicidade suprema. Sou toda fome e pedaços. Quem dera tudo o que digo fosse mera conversa, meias-palavras correndo por aí, mas é verdade – seja lá o que a verdade for. O caminho mais fácil é a mentira mais barata. Não se engane, escolher sempre o mais difícil é tolice, é a ilusão de que se é forte e bom o suficiente para enfrentar qualquer coisa, mas desde que o mundo é mundo, até Aquiles sucumbiu. O segredo é não ter segredo. Não ter receita, não ter fórmula, não ter limite. Um conselho importante é não aceitar a palavra de ninguém como definitiva, a palavra própria é a única que existe, o resto perece, se esquece. E só a tentativa é o grito. E num mundo de surdos só quem tem voz é quem tem alma. Água e vinho. Fome e pedaços.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 20 de março de 2009

Fraqueza.

Pare de bater. Enquanto for tudo fraqueza, não abrirei as portas. Pare de bater.
Sou um castelo de cartas, querido, cartas de copas ruindo umas sobre as outras.
Pare de bater. Enquanto for tudo fraqueza, não abrirei as portas. Pare de bater.
Sou a estátua oca do vale, derretendo sob a chuva torrencial e o silêncio absoluto.
Existe um lugar e um momento para tudo isso, até lá nós manteremos as chaves...
Pare de bater. Enquanto for tudo fraqueza, não abrirei as portas. Pare de bater.
Pare de bater. Enquanto for tudo fraqueza, não abrirei as portas. Pare de bater...
Sou um castelo de cartas...
Cartas de copas ruindo.

- Danielle Bernardi

quarta-feira, 11 de março de 2009

Chega de saudade.

Cansei da luz lá fora, da nostalgia tão atraente, tão dolorida. Dos dias em que a arte se fazia sem palavras, em que as pessoas passavam, corriam, voltavam, e algumas permaneciam, com aquele sorriso-promessa de "eu-vou-ficar". Cansei da saudade dos dias que se foram, e dos que não vieram, dos que nunca virão. De todo o riso esquecido, das lágrimas guardadas, dos sonhos adormecidos. Cansei de querer tudo de volta. Cansei de mandar tudo pra longe. Cansei da dúvida, do desejo, de estar cansada, de ter todas as forças. Saudade daquela gente e de quem eu era com eles, e o medo de nunca ser como antes, e o alívio de estar sempre mudando, e a incerto bem a frente - na ponta do nariz. Toda aquela gente, do passado, do futuro, do atemporal que não se envaidece, que não se envenena. Eram dias que não voltam - os que foram e os que nunca chegaram a ser. Dias de olhos abertos, e dedos agarrados a vida, e o idéia tão tola de a-eternidade-é-agora. Saudade daquela idéia também. E da falta de preocupação, da sensação o-mundo-pode-explodir-com-a-força-do-meu-riso. Metade desses dias são passado, a outra metade são sonhos, projeções do futuro, esperanças pulsantes que doem, impelem, enlouquecem. Esqueça todo o resto, o meio-tempo não conta, quando se vive o agora não se sente, se vibra. O meio-tempo é só saudade. Nostalgia da vida correndo contra a pele, das noites sem fim que ecoavam nossos sonhos. Saudade da falta de pretensão, do vamos-viver-agora/nada-mais-importa. Dos dias que valeram a pena, que foram marcados, que sangraram, sorriram, tomaram chuva, se afogaram em dor. Saudade de todo uma porção de coisas que não voltam, não se repetem. Medo de esquecer. Medo de deixar de viver. Todo aquele ar enebriante, os eu-te-amo que não eram ditos, mas são gravados nos olhos e na pele. Saudade de cair de sono, de cansaço, com um sorriso débil de quem não salvou o mundo hoje, mas salvou a alegria de viver. Saudade dos momentos em que essas palavras se encaixam com graça, sem parecerem tristes em demasia ou perecerem em si. Toda essa saudade que não cabe no peito, que não explode, que só se acumula. Que preenche tantos dias mais, tantas fotos, tantos textos. E a cumplicidade dos olhares que virão, os é-eu-me-lembro-também que tornam tudo mais leve. E essa nostalgia tão agridoce, que fica presa no céu-da-boca com aquele gosto confuso que não se entende, não se explica. E aqueles momentos em que o cheiro da saudade é mais forte, em que é preciso ter em mãos um pedaço da lembrança e trazê-la ao peito, e tê-la entre os dedos. Cansei de saudade, quis mandá-la embora, fechar a porta em sua cara e não pedir que me escreva. Mas não pude, mal abri a porta e já a sentia lá, tão forte, tão enraizada, tão querida. Daquele dia em diante agarrei-me nela com fervor, saudade tão necessária, tão dolorida, tão atraente. Cansei de não ter saudade das coisas que não foram, que não aconteceram. Todos aqueles momentos e sonhos que estiveram a um passo de serem concretizados, mas foram levados pelo vento e só deixaram suas sombras esmaecidas, enfraquecidas. E quando percebi, sentia falta delas também. E me olhei no espelho, cheia de buracos faltando, meio-cheios de saudade, meio-cheios da lembrança pedindo sempre um pouco mais, um pouco mais de tudo aquilo. Saudade, fome de ter saudade. Meus buracos, todos meio-cheios, meio-vazios, tão doloridos de saudades me pediram esperança... E esperam sempre mais, um pouco mais de tudo aquilo.

- Danielle Bernardi