quinta-feira, 25 de novembro de 2010

(A)Temporal.

A noite é longa e silenciosa, como tem sido, desde que você partiu. As crianças há muito cresceram, seus risos, nas linhas de cada uma dessas paredes, hoje contemplam o vazio da casa: os cães que se foram, os amores que se perderam, o tempo que se derramou entre as madeiras do piso. E o nós, que se tornou eu, nesta noite que é promessa de todos os anos de antes e depois. É, meu querido, nossos passos na escada já não mais nos levarão a lugar nenhum. Nossos dias têm a nostalgia das flores murchas, do cheiro que não se desfaz. Porque é sempre ontem, não importa que dia ou estação, é sempre ontem quando pela última vez estivemos juntos. E o que eu queria era uma chuva fina no mundo cinza lá fora, enquanto um jazz suave chorasse por nós no rádio, como quando tudo o que existia eram seus braços segurando-me junto ao corpo, nossos pés descalços embalando-se em nosso minuto de eternidade, que tão rápido passou. É sempre o que vejo na janela, através dos reflexos de luz dessa cidade, que como eu, não dorme. Nosso pequeno e inalcansável instante de glória, tão ordinariamente posto entre tantos instantes mais. Mas é assim mesmo, querido, já naquele tempo diziamos adeus. Já naquele tempo sentíamos o frio que crescia e soprava no abismo de dentro. E então era ontem. Todos os dias tornaram-se ontem. E é sempre uma noite longa e silenciosa, com o que resta de nós pairando sobre o dia que não nasceu e as palavras guardadas no rádio: almost you - almost me - almost blue...
- Danielle Bernardi

sábado, 13 de novembro de 2010

Fratura Exposta.

Sob meus pés a terra treme, viva. E tenho vontade de queda, você sabe. Sob meus pés a terra treme, respira. E tenho os olhos abertos à procura. O que diz a voz que não é voz e chama? É você?, pergunto sempre. A resposta é o eco que reverbera no oco de cada canto. E você já é tão eu que ser você me parece a única salvação. Diga-me, qualquer coisa. Quebra as paredes com teus dedos de presença ausente. Sê vento, e sopra. Ponha-me em ruínas, fratura exposta. Não tenho medo. Tenho pressa. Tenho o querer que se atropela em desejo de consumir. Tenho a palavra que é silêncio, e a falta que sou eu, que é você. Então sê, apenas isso. Sê meu pensamento mais confuso e mais brilhante, e quem sabe, quem dera, exista algo mais em cada linha. E sob meus pés essa terra, sertões e veredas. Horizontes. E mais. Além.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Relicário.

Por minha ausência, o que tenho há dizer é que o silêncio é sincero. Talvez a única forma dimensional em que soube colocar aquelas mesmas coisas que sempre tenho tentado dizer à você. Queria que você estivesse aqui. Ou que ao menos soubesse que- . Que nós pudéssemos. Que fossemos possíveis. Mas tudo isso é longe agora, e o que tenho é a mesma fonte imaterial de meu discurso sem palavras. Minha quilometragem estourada no quesito de encarar a tela em branco, a folha em branco. A ausência que não tem cor e que se prolonga por uma tarde que parece não ter fim. Sei que tudo isso não passa de um demonstrativo da minha inguenuidade, e que você talvez seja nunca, mas é preciso ser ingênuo, é a única forma de acreditar - e acreditar é preciso, é tudo o que se tem nesse breve espaço de respiração entre dias e anos. E sei que nós foi sempre efêmero, sempre o coração partindo e um buraco no peito. É por isso que preciso dizer que- . Agora. Preciso dizer porque sou noite sem estrelas e preciso que você acredite. Não assim, nessa ordem. Só precisava mesmo era saber que nunca mais vou conseguir colocar os pedacinhos todos juntos como eram antes, que fomos para sempre, que nada foi em vão. E que através de todos os anos que virão: hoje existiu.
- Danielle Bernardi