quinta-feira, 25 de novembro de 2010

(A)Temporal.

A noite é longa e silenciosa, como tem sido, desde que você partiu. As crianças há muito cresceram, seus risos, nas linhas de cada uma dessas paredes, hoje contemplam o vazio da casa: os cães que se foram, os amores que se perderam, o tempo que se derramou entre as madeiras do piso. E o nós, que se tornou eu, nesta noite que é promessa de todos os anos de antes e depois. É, meu querido, nossos passos na escada já não mais nos levarão a lugar nenhum. Nossos dias têm a nostalgia das flores murchas, do cheiro que não se desfaz. Porque é sempre ontem, não importa que dia ou estação, é sempre ontem quando pela última vez estivemos juntos. E o que eu queria era uma chuva fina no mundo cinza lá fora, enquanto um jazz suave chorasse por nós no rádio, como quando tudo o que existia eram seus braços segurando-me junto ao corpo, nossos pés descalços embalando-se em nosso minuto de eternidade, que tão rápido passou. É sempre o que vejo na janela, através dos reflexos de luz dessa cidade, que como eu, não dorme. Nosso pequeno e inalcansável instante de glória, tão ordinariamente posto entre tantos instantes mais. Mas é assim mesmo, querido, já naquele tempo diziamos adeus. Já naquele tempo sentíamos o frio que crescia e soprava no abismo de dentro. E então era ontem. Todos os dias tornaram-se ontem. E é sempre uma noite longa e silenciosa, com o que resta de nós pairando sobre o dia que não nasceu e as palavras guardadas no rádio: almost you - almost me - almost blue...
- Danielle Bernardi

Um comentário:

Francisco Mallmann disse...

"E o nós, que se tornou eu, nesta noite que é promessa de todos os anos de antes e depois."
Amei esse trecho.
"Sofro. Sozinho. São. Ou não"
Beijo!