sábado, 23 de maio de 2009

Fim.

É isso. Eu manterei tudo guardado, até você voltar. Não se surpreenda com a fechadura emperrada e as lascas de tinta caindo, é tudo muito pior do que parece. O estrago é um sorriso torto que caminha por aí, todas aquelas cicatrizes bem disfarçadas, pintadas de preto e branco. Desespero é só uma palavra, o caos real não se define. E não importa quanto o tempo pare, e quantas ausências se tenha, o mundo ainda gira quando se abre a porta, distorcendo tudo em arco-íris e promessas, descendo num mesmo ralo. Então venha e gire a chave, Pandora está a sua espera. No fim, nós dois sabemos que eu ainda vou te encontrar, não importa quanto tempo eu fuja ou me esconda, ainda é preciso quebrar alguma coisa. Enquanto isso, eu manterei tudo guardado - até você voltar. Palavra.

- Danielle Bernardi

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Sereníssima.

Talvez seja disso que a vida seja feita: notas caleidoscópicas que não se pode ter. Um série de fotos que se abrem, como janelas, bem a sua frente, bem longe do seu alcance. Talvez seja só um fim de tarde, em que voltamos para casa ouvindo o caos do universo se instalar e assentar dentro do peito, como quem encontra o caminho de volta ou descobre que é possível andar sozinho. Um momento de clareza, que sopras as nuvens para longe, e deixa a tempestade para depois. Quando o mundo é um espaço vazio para se colorir, e é possível começar tudo de novo. Quando não há mais ninguém, apenas a quietude de ouvir a si próprio em silêncio. Talvez seja isso o que estivemos procurando por tanto tempo. Andar sobre as cordas com a beleza e a graça de quem pode voar, tendo a certeza de que o mundo é do tamanho daquilo o que se sente, e que não importa o que, quando ou onde, na verdade nada importa porque tudo pára por um instante. É quando os relógios calam, e o tempo desaparece. Quando se dança com o vento sem sentir o peso do corpo. E é tudo o que é, e não o que deveria ser. E a razão das coisas parece se alinhar com a sua própria razão de ser. Talvez seja isso o que chamam de liberdade. Aquilo que todo mundo deseja e fala sobre, mas nenhuma lei humana explica. Quando as palavras são um artifício bonito que se usa para fazer círculos em volta de si mesmo, desenhando cores que a gente não lembrava que existiam. Quando o som toca de verdade, e despe-nos de todo o resto. Quando se fecha os olhos e não se está em lugar nenhum, a não ser dentro de si mesmo. Talvez seja quando se encontra consigo mesmo, aceitando-se em uma carícia silenciosa que sussurra através da pele. Quando é sempre possível se perder e se encontrar, e voltar àquele mesmo lugar, o ponto onde tudo começa e onde tudo termina.

- Danielle Bernardi

domingo, 10 de maio de 2009

Flores Proibidas.

Ela estava lá, joelhos no chão, lágrimas nos olhos. O desespero no rosto e tantos sentimentos na voz, que a rouquidão era conseqüência válida, era a dor sussurrada pelas entranhas. Ele desenhava princesas em vestidos amarelos, casas que perdiam a cor e pessoas que partiam. E guardava tudo atrás de um grande sorriso, de uma mentira despreocupada, de um alguém que procura abrigo. Desligue a TV. Tudo parece um terço de nós. Quando ela pede uma razão para ter com o que se importar, quando o velho tocador de gaita consegue nós alcançar através do vento frio, quando ele estraga tudo. É o que fazemos de melhor não é? Estragar tudo... Jogar as coisas boas para o alto, esperando que elas não se partam quando caírem ao chão, esperando que possamos levantar o mundo na ponta dos dedos e fazer malabarismos com os corações dos outros. E no fim são só várias pessoas diferentes, dividindo lágrimas em diferentes cantos do mundo. E é quando um em um milhão resolve atravessar um oceano, quando temos uma razão para acreditar de novo. Quando o mundo é um casulo que a gente constrói, esperando um dia poder sair um pouco melhor em si para valer para um outro alguém. São só cabanas que a gente constrói, entre travesseiros e os sonhos das vidas que gostaríamos de ter. É um desejo, soprado em segredo num beijo de fim de noite. Desligue a TV, eles só estão procurando um lugar aonde se possa descansar. Um lugar aonde deitar a cabeça tarde de noite e fazer da escuridão um cobertor aonde se possa escrever todos os medos antes de entregá-los a outro alguém. É então que todo o caminho torto vale a pena, e nada seria diferente se apenas houvesse aquele momento. É quando se pode desligar a TV e se aconchegar no lugar aonde você pertence. Eu gostaria que pudéssemos. Fazer de uma noite uma eternidade e de nós mesmos duas crianças, sentir o sereno na pele e esquecer de todo o resto. Eu gostaria que pudéssemos, conquistar todo o mundo outra vez, pedaço por pedaço, peça por peça. Fazer da nossa loucura - sentido; e de cada canção uma viagem. Um abraço desesperado, um amor enlouquecido, um banho de lágrimas que nunca sequem. Sim, eu gostaríamos que pudéssemos - reconstruir todos os dias nosso castelos de sorrisos. Deixar a chuva levar nossos pensamentos enquanto dividimos nosso medos, rearranjar a ordem dos planetas com um só beijo, viver o dia como se ele nunca fosse acabar e ter a certeza e a segurança de se poder fechar os olhos e pertencer aonde se está.

- Danielle Bernardi

sábado, 9 de maio de 2009

Olho Mágico.

Seus olhos eram como uma tortura silenciosa, límpida, crua. Era a verdade sincera e dolorosa, a palma que se estendia e a vida que ia embora. Eu colocaria um feitiço sobre nós, se pudesse. Nos juntaria em uma mesma só massa, em uma mesma só mentira. Nada mais de dedos frios procurando se alcançar através do vidro, nada mais de 'feitos um para o outro' sem final feliz. Nada mais de erros que bloqueiam começos e que se arrastam junto a gente por todo o tempo. Seu silêncio era o mais palpável, excruciante, humano. Era tudo o que eu temia ouvir e que não saia de minha cabeça. E tudo era só um ponto perdido nessa dança, era onde nossas mãos se encontravam, e se buscavam, e se perdiam. E éramos dois mentirosos sorrindo, esperando pelos bons tempos. Éramos duas figuras cheias de cores, se revelando na escuridão. Então empurre essa redoma de vidro, leve nosso globo de neve até o ponto máximo e veja nossos caquinhos se espalharem pelo chão. Me deixe, me deixe, me permita. Quero dançar na ponta dos pés sob as notas do cordel. Abra a caixinha de música e junte-se a mim. Me faça fechar os olhos, me faça ouvir a música, aceite o desafio - me pegue pela mão. E quando as cortinas fecharem, serão nossos dedos se entrelaçando pela grama, será o silêncio da noite por suas mãos. Depois disso, todo passo de dança será uma lembrança, um suspiro - uma viagem entre dor e prazer, entre buscar e se perder. Me permita... Estou esperando pelos bons tempos, fitando o mundo girar lá fora.

- Danielle Bernardi

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Segundo Pensamento.

Dobre-se sobre seus joelhos.
Ele disse, dobre-se sobre seus joelhos.
E quando alguém levantar a sua cabeça, com força
Que a afronta esteja em seus olhos, ousadia gloriosa.
Quando a terra marcar seu rosto, entre o sangue e a lama
Que haja sobras de lágrimas entre seus lábios partidos.
O gelo será a testemunha, o amante final
E não importa quem esteja ao se lado
Você ainda estará sozinho.
Seu mundo é grande demais para os seus ombros
E eles vão quebrá-lo até que sua grandeza seja poeira.
Seus olhos sonham mais do que podemDobre-se sobre seus joelhos.

Ao fim do dia, serão suas palmas marcadas na neve
E seus pequenos ossos quebrados, e o seu grito no vento.
O inverno passa, as folhas caem. As pessoas partem, o cobertor esfria.
As pessoas dobram, o inverno passa. Os joelhos dobram, a lama seca.
A terra lembra, o vento canta. Os sonhos crescem, as pessoas quebram.Dobre-se sobre seus joelhos, você é o único que continua de pé.

- Danielle Bernardi

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Duas Músicas e um Pássaro.

Estou atrasada. O relógio toca em algum lugar. E você compra meu coração em lojas de souvenir enquanto corro contra o vento para perto de lugar nenhum. Nada está a salvo hoje, sou uma vitrine aberta sem travas de segurança, cantando pesadelos para ter algo sobre o que falar. E em algum lugar existe uma ocasião em que eu deveria estar, e minha ausência é um buraco que sinto, sem saber se existe. Não, não respire. Essas gotas no seu rosto são só imaginação, são a troca da estação no rádio, o pensamento solitário que nunca vai embora. E eu não preciso de você, de maneira alguma. Não, não respire, o relógio toca e quanto mais perto, mais danificados ficamos. Um passo a mais pode ser o nosso fim, o ponto em que nossas mãos se tocam e o efeito borboleta começa. Um caminho de perdição que só nós levará um ao outro, afogando-nos juntos. Não, não respire. Guarde seu fôlego para todo o dano que ainda causaremos, seremos o erro principal dessa peça. E não sobrará palco algum enquanto estivermos de pé. Não haverá misericórdia para cada pequena coisa que nós fizermos. E quando eu acordar, não haverá mais nenhum lugar para onde ir, e eu já não poderei mais dormir.

- Danielle Bernardi

domingo, 3 de maio de 2009

Mais do Mesmo.

Te roubei no ardor na hora, e então já não podia mais fugir. Fingir que tudo estava bem, quando nós dois desmoronávamos em silêncio, era a solidariedade mais pura, a covardia mais atroz, o medo mais selvagem. E não poderia mais te devolver a ti, mesmo se quisesse. E não quero, tenho quase certeza de que nunca quis, e nós sabemos de que quases-certezas são as mais perigosas, e talvez as mais verdadeiras - pois não são livres de dúvidas. E nós sabemos que nada que seja livre de dúvidas deve merecer confiança. O mundo deve se contestado, conquistado, jogado ao vento para entrar em sua órbita sem razão, para nos arremessar no meio do caos e nos fazer dobrar sobre nossos próprios joelhos. Quando nossa rota tiver voltado ao normal, saberemos que quando te roubei de ti, fiz o que tinha de melhor. E se meu melhor é meu crime, me julgue em cortes sem juízes e sem tempo determinado, me encaminhe ao banco dos réus e seja meu promotor, meu advogado de defesa. Não tenho certeza se me arrependi de te furtar em tua essência, pois não é mais como se fôssemos corpos estranhos, mas sim uma mesma parte do mesmo todo, complementada com vazios que nunca serão preenchidos. E às vezes, por mais certezas que eu possa girar com um mesmo dedo, me pergunto se não teria sido melhor não ter você como parte de mim, quem sabe assim poderiamos nos desligar sem ressentimentos, sem a falta que você faz em todo o canto. E uma vez que eu tenha te roubado, é inevitável que voltemos sem parar ao mesmo ponto, até que eu seja mais você do que eu mesma, e por mais assustador que isso pareça, parece tão certo que é como se o mundo tivesse nova órbita e nós parecemos outra vez, dois elementos certos no mundo. Então me deixe te roubar, eu te desafio. Assim quando nos encontrarmos em uma rua deserta desse mundo cheio de gente, poderemos voltar a ser um pouco de nós mesmos, um no outro, da melhor forma que sabemos. E no ardor de todo novo dia, eu serei um pouco mais você do que eu mesma, e poderemos dar as mãos e ir para casa, procurando nosso lugar no mundo. Somos dois elementos certos, outra vez.

- Danielle Bernardi

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Chaves.

Quantas vezes ainda será preciso se esconder em um armário para sentir alguma coisa? Dividindo sorrisos com fantasmas que o tempo não apagou e sussurrando segredos por toda a noite. Por quanto tempo será preciso ver o mundo através de uma fresta pequena, atendendo a telefonemas mudos, esperando para ouvir uma respiração? Até quando será preciso esperar que a cidade durma para parar a solidão? Quando chegará a hora de ficar de pé, tendo a certeza de que se está a caminho de alguma coisa? Por quanto tempo mais as máscaras serão necessárias? Ainda é cedo para começarmos a sonhar com o primeiro passo? Já é tarde para abrir as portas? Alguém perdeu minhas chaves? Não as encontro por lugar nenhum. Bata duas vezes se for entrar, não faça cerimônias, tenho esperado pela chuva e pelo vendaval por tempo demais. Arrase todo o lugar sem deixar vestígios, os danos ficarão para mais tarde, com nomes gravados perecendo sob o Sol. Sussurre mentiras bonitas enquanto durmo. Me faça rir sobre a dor, sentindo o gosto salgado preso no lábios e na partida. Não vá, não volte. Me arraste para o fundo, me afogue. Meio morta por metade do caminho, me jogue aos fantasmas e aos monstros dos quais me escondi. Sopre verdades dolorosas na minha cara, como fumaça sem cor. Já é cedo demais para começar? Ainda é muito tarde para abrir as portas? Veja uma estrela, faça um desejo. Não olhe para trás quando for. Atendendo a telefonemas mudos, enquanto a cidade dorme. Entre sorrisos divididos e respirações audíveis. Que venha a chuva e o vendaval, os danos serão meu passatempo para o depois - para quando o armário se for, para quando for preciso caçar fantasmas e enterrar segredos entre o caos. Eu não acredito em nada disso. Apenas quebre o círculo e respire para mim. Você sabe que é melhor que isso.

- Danielle Bernardi