Preciso dissecar as palavras entre a areia de minha'lma deserta, e encontrar a glória de um carvalho partido que me mantém em pé. Para te dizer todas as coisas: todas as milhares de vezes que tentei combinações de todas as letras e silêncios possíveis. Para te falar do árido que trago debaixo da pele e da minha insistência em ir atrás dos extremos: e dessa loucura de sair atrás do exílio e de querer ser criatura-bicho-mulher. Preciso derramar sobre a mesa o suor das tentativas e dos fracassos, saborear a dor prazerosa de não ter sido o bastante: prostar-me diante da minha incapacidade em ir além. Quero terra-de-ninguém: percorrer minhas veias secas e primitivas em busca de tigre e de lótus. Para te contar sobre a urgência esmagadora que se fez dona do meu peito: e da intensidade que se reinventa a cada hora e cada segundo. Para te contar sobre a câimbra dos membros, que se contorcem calados nos desejo de insensatez: de pé porta à fora: pé na estrada: sem destino. E aquela velha vertigem sedutora: vontade de perder: de estar em movimento, ainda que na contramão. Preciso do riso habitando o oco da minha boca, preenchendo o vazio dos momentos com algo além de silhuetas e ecos de fantasmas: e ocupar os instantes de farsa em que tento achar desculpas por ser essa armadilha, esse oscilar entre vício e necessidade. E te dizer, que estou marcada e sem conserto. E que sinto muito, mais do que posso dizer. Mais do que posso pensar. Mais do que posso aguentar. Mais do que todas aquelas promessas que ficarão atreladas ao jamais em algum canto empoeirado de nós. Preciso esclarecer minha natureza vacilante: minha vocação em consumir. E repetir meus erros em voz alta, para te manter afastado ainda que te queira sempre mais e mais perto. Para te falar da falta de lógica em meu raciocínio, de meu complexo de montanha-russa. Para te falar de todas as faltas, falhas, rasgos e lacunas: e da minha tentativa vã de preenchê-los todos com o que poderia ter sido. Preciso de uma inteligência que não me cabe, um modo sagaz de aceitar meu eu interrompido, uma sabedoria extra-corpórea para lidar com todas as palavras que voltam pela culatra, em minha direção. Para te dizer que: o relógio na parede ri da minha pressa em tentar dissolver minha solidez em uma forma menos compacta e fria: e que minha superfície dura mora do lado avesso: e que minha insônia poderia durar todos os anos que virão na inconstante crueldade que me imponho ao vir aqui para te dizer que. Não consigo me despir de tua ausência e a levo comigo aonde for.
- Danielle Bernardi