domingo, 27 de dezembro de 2009

Efêmero.

Ouço sempre o mesmo dedilhar em prosa - intrincado, suave e contínuo. E trago a alma em queda, desfeita na água. O corpo que me resta é essa carcaça cansada, e esse riso frouxo: vestígios do animal, traços do bicho que quer ser fera, da criatura que adormece: e pensa que sonha.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Chiaroescuro.

Estou ficando sem palavras para oferecer. Tudo o que tenho são ecos: o vai e volta de pensamentos ocos e um querer sem fim. E em todas as minhas entrelinhas você vai encontrar essa mesma urgência em buscar por uma outra linguagem que me satisfaça: essa composição de silêncio-ponto-e-vírgula-silêncio-silêncio-dois-pontos-silêncio-ponto-ponto-ponto. No meio tempo estarei entregue à esse tremular à distância - jogo de sombras, meu chiaroescuro particular.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Dissabor.

Mantenho os pés descalços: para sentir, para entrar em contato. E minha pequenez de ser grão estremece ao menor vento que passa: vontade de mundo: dançar cores, embrenhar dissabores, abraçar vazios. Auto-retrato efervecente das coisas que não são vistas e sobre as quais ninguém fala: azar o meu, que prefiro manobrar sílabas sem licença e buscar perguntas ao invés de respostas.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Barquinho de Papel.

Toco minha lira o mais alto que posso, usando o avesso do som como fonte de matéria-prima. Minha voz tem esse quê estridente, desafogado - pedindo por água - nômade que tem sede. E minha embarcação se resume aos limites e demarcações do contorno do corpo, flutuando no que há de sideral no espaço. Repita minhas palavras bem baixinho, sem respirar, como uma prece fervorosa que diz: -
- Danielle Bernardi

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Terra-de-ninguém.

Preciso dissecar as palavras entre a areia de minha'lma deserta, e encontrar a glória de um carvalho partido que me mantém em pé. Para te dizer todas as coisas: todas as milhares de vezes que tentei combinações de todas as letras e silêncios possíveis. Para te falar do árido que trago debaixo da pele e da minha insistência em ir atrás dos extremos: e dessa loucura de sair atrás do exílio e de querer ser criatura-bicho-mulher. Preciso derramar sobre a mesa o suor das tentativas e dos fracassos, saborear a dor prazerosa de não ter sido o bastante: prostar-me diante da minha incapacidade em ir além. Quero terra-de-ninguém: percorrer minhas veias secas e primitivas em busca de tigre e de lótus. Para te contar sobre a urgência esmagadora que se fez dona do meu peito: e da intensidade que se reinventa a cada hora e cada segundo. Para te contar sobre a câimbra dos membros, que se contorcem calados nos desejo de insensatez: de pé porta à fora: pé na estrada: sem destino. E aquela velha vertigem sedutora: vontade de perder: de estar em movimento, ainda que na contramão. Preciso do riso habitando o oco da minha boca, preenchendo o vazio dos momentos com algo além de silhuetas e ecos de fantasmas: e ocupar os instantes de farsa em que tento achar desculpas por ser essa armadilha, esse oscilar entre vício e necessidade. E te dizer, que estou marcada e sem conserto. E que sinto muito, mais do que posso dizer. Mais do que posso pensar. Mais do que posso aguentar. Mais do que todas aquelas promessas que ficarão atreladas ao jamais em algum canto empoeirado de nós. Preciso esclarecer minha natureza vacilante: minha vocação em consumir. E repetir meus erros em voz alta, para te manter afastado ainda que te queira sempre mais e mais perto. Para te falar da falta de lógica em meu raciocínio, de meu complexo de montanha-russa. Para te falar de todas as faltas, falhas, rasgos e lacunas: e da minha tentativa vã de preenchê-los todos com o que poderia ter sido. Preciso de uma inteligência que não me cabe, um modo sagaz de aceitar meu eu interrompido, uma sabedoria extra-corpórea para lidar com todas as palavras que voltam pela culatra, em minha direção. Para te dizer que: o relógio na parede ri da minha pressa em tentar dissolver minha solidez em uma forma menos compacta e fria: e que minha superfície dura mora do lado avesso: e que minha insônia poderia durar todos os anos que virão na inconstante crueldade que me imponho ao vir aqui para te dizer que. Não consigo me despir de tua ausência e a levo comigo aonde for.
- Danielle Bernardi

sábado, 5 de dezembro de 2009

Lata-Carne-Ferrugem.

Tenho a eloquência da chuva guardada do lado de dentro, o tamborilar das gotas em tetos de zinco que não cedem. E faço uso de meus sapatos vermelhos para percorrer o desbotado do que já foram tijolos amarelos, tentando reter na memória os traços do sonho que me pegou pelos dedos e me trouxe até aqui. Tenho a eloquência da chuva, do desabar solitário, gota à gota, de uma fonte torrencial. E o trovoar em meus ouvidos é composto por caixinhas de músicas que foram perdidas em algum lugar, com sua melancolia desenhada em acordes intrépidos: cavalheiros de nome covarde em busca do idílio. E que me condenem e me acusem o espírito, que me olhem com desagrado ao ouvir o rangido de minhas peças e riam de minha inabilidade crônica, que calem perante meu silêncio e sobreponham suas próprias palavras às minhas: que me desafiem. Me coloco de pé sobre o vento, e os convido à entrar, enquanto estiver de passagem. Tenho sempre o mesmo oco que se alarga e se oferece como forma de abrigo. E tenho a eloquência da chuva, e o tremular dos lábios: que devoram palavras. Precisa-se de um abridor de latas.
- Danielle Bernardi