domingo, 31 de janeiro de 2010

Epígrafe.

Seu nome era o vento. Era o som que ele fazia ao soprar tão de leve que muitos o imaginavam parado. Era criatura desorbitada, e isso era tudo o que se sabia. Tinha aqueles olhos grandes, como você imagina em uma criança que vê pela primeira vez o tamanho do mundo. Tinha a palavra, e isso era certo, embora sua voz se desfizesse entre a névoa do pensamento daqueles que a ouviam, a palavra em si permanecia. Como se tivesse vida própria. Era daquelas gentes que precisa estar em movimento, seja para onde for, do contrário definha. Tinha nos olhos a chama de quem tem fome, a veemência de quem precisa. Era chão e estrada, era a extensão do deserto. 'Para resumir-lhe o objeto ou o espírito': procure pelo vento que sopra - e anuncia a tempestade.
- Danielle Bernardi

sábado, 23 de janeiro de 2010

Esconde-esconde.

Só quero que saibam que: irei encontrá-los.
- Danielle Bernardi

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Relâmpago.

Deixo: que a chuva corra e que nota a nota o som da claridade se faça grito. E permaneço: em meio ao naufrágio, com a alma em comunhão. Encosto um joelho por terra e faço de minha entrega esse ato simples, insolúvel. Ambos sabemos que meu querer tem fome de tempestade, e do escuro da noite. E o abraço que nos falta tem o calor da impossibilidade materializada, de todas as esperas e tristezas - do adeus que assombra, e não se manifesta. Então juntarei meus sussurros ao vento, receita de pausas e pensamentos, para dizer que: ergo os olhos com a voracidade de quem contempla, e aceita. Enfim, persisto: com a estupidez honrosa de quem se levanta sob o temporal para espreitar o breu e encontrar a face do silêncio - fábula do princípio e do fim. Deixo: a água fustigar o corpo, a pele acolher o vento: enquanto a existência incorpora essa luz muito viva, e passageira.
- Danielle Bernardi

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Partilha.

Então, aqui estamos. Aqui: nessa vaga impossibilidade de que é feita o mundo. Tudo o que vejo passar em minha janela são ruas em movimento, porque o lá fora se move - e o aqui dentro martela. E me pergunto se é você que ouço chamar meu nome com urgência e se meus pés sabem mesmo o caminho de casa, ou se é tudo eco meu que voltou com o tempo. Porque se é loucura, então é doce e é combustível. E o eu que me restava partiu-se - orgulho e saudade dessa fração que agora é tão sua quanto minha, e do mundo.
- Danielle Bernardi

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Moinho de Vento.

Tenho um poeta que bate no peito, que cavalga descompassado em direção ao incerto: que é mundo de possibilidades. E esses olhos de vidro trazem no branco minha corte à instabilidade - sou feita de avessos, mecanismos tortos: de gatilho oculto. Acalento entre os dedos essa pretensa habilidade de cultivar silêncios, de virgular a vida, pontuar o espaço. Então abro os braços e caio, mergulho, afundo, afogo - para abrir os olhos e querer por mais. Sou desencantada de natureza degradante, minha face tem esse tremeluzir ríspido e selvagem: composição de sílabas e ausências: douçura vacilante que se esconde.
- Danielle Bernardi